Abortaram o Aborto e nasceu a Legião Urbana

E pensar que nem era para a Legião Urbana figurar entre as nove atrações no dia 5 de setembro de 1982 no parque! Porque a ideia do produtor Carlos Alberto Xaulim era trazer à cidade bandas inéditas ou pouco conhecidas dos patenses, mas já com nome pelo Brasil. Um festival como os alternativos atuais, que na época eram raros. Foi por isso que, como de Brasília emergiam várias bandas de rock, Xaulim logo convidou a Plebe Rude? que tinha mais sucesso na época? e o Aborto Elétrico? antiga banda de Renato Russo? para o "Rock no Parque". Detalhe: sem nem um centavo de cachê. Só ganhavam passagens de ônibus e comida. E a visibilidade de um festival.

Oito dias antes do show, mais de mil cartazes impressos, liga para o telefone de Xaulim o próprio Renato Russo. Queria comunicar ao produtor que quem tocaria em Patos não seria o Aborto Elétrico, mas sim uma outra banda que formara poucos dias antes: a Legião Urbana. Quem conhece a história da banda se lembra do motivo: uma briga homérica com o baterista Fê Lemos cujo estopim foi a música "Química". "Tinha 27 anos na época e pensava que, sem desmerecer as bandas, não fazia a menor diferença para Patos se fosse o Aborto ou Legião. Só que o Renato fez questão de que mudasse o nome da banda até mesmo nos cartazes. Foi tão veemente que assustei", contou Xaulim.

Como na época tudo era impresso em silk-screen, era muito mais fácil corrigir problemas. Só precisou de o produtor ir à gráfica, mandar repintar tudo de preto e trocar o nome da banda naqueles cartazes que ainda não tinham sido distribuídos. Um destes foi entregue no ano passado à irmã de Renato, Carmem, para ser inserido ao material pessoal que, possivelmente, vai virar acervo de um museu sobre o músico. "O interessante é que foi o próprio Renato quem se lembrou do primeiro show, ao escrever no seu diário. E me lembro que na época ele foi incisivo dizendo que, mesmo que não conseguisse mudar os cartazes, ele fazia questão de dizer ao público que aquele era o primeiro show do Legião Urbana", relembrou.

As poucas lembranças

A lua cheia, linda, "um bolota abençoando público e bandas", como disse Xaulim, é a lembrança mais marcante daquele 5 de setembro. Dos shows, poucas pessoas conseguem se lembrar. Aliás, o tamanho da arena de rodeio faz a percepção de público ser ainda menor. Nas anotações de Xaulim, devia haver umas 1.500 pessoas. Nem mesmo Sérgio Moreira, que dividiu o palco com a Legião Urbana, consegue resgatar muita coisa de 24 anos atrás. "Lembro muito bem da atmosfera da época. Tinha uma energia incrível no público e uma sintonia benéfica entre as bandas. Todos no começo de carreira, tentando um espaço. Tempos depois que fui me ligar que aqueles garotos de Brasília eram os mesmos que estavam no auge do sucesso", contou Sérgio Moreira.

O lapso de memória é quase que um remorso para quem esteve no show e se tornou fã da banda anos mais tarde. Ou para quem quer contar às filhas e sobrinhas como foi a primeira vez que o Legião Urbana, banda venerada até os dias de hoje, subiu num palco. É o caso de Sônia Pereira, que diz só se lembrar de ter gostado muito do som, algo novo, diferente, exatamente o que os adolescentes da época estavam ávidos. "Não era muita gente, mas quem estava lá gostou demais de todos os shows. O interessante é que minhas filhas nascerem muito tempo depois e mesmo assim as músicas da Legião as conquistaram. E quando digo que assisti ao primeiro show deles, logo querem saber se tinha conversado com o Renato. Se soubesse quem ele se tornaria anos depois, faria questão de tietar", brincou Sônia Pereira.

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